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Programa de Acolhimento ao Luto - PROALU
24 Março 2022  | Seção: Colunas & Artigos  |  Categoria: Dicas
  
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Por Sandra Pereira Evangelista e Samantha Mucci
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A pandemia nos lançou em um processo de luto, individual e coletivo, nos atravessando e deixando marcas, profundas cicatrizes. Desde o primeiro caso em março de 2020 até chegarmos os mais de 610.000 mortos só no Brasil e mais de 5 milhões no mundo. Para compreender o processo de luto temos que olhar para a natureza da morte, que tipo de relação a pessoa tinha com o ente falecido, quais as circunstâncias se deram a morte e que ferramentas o enlutado possui para o enfrentamento. Os sentimentos são de impotência, desamparo e inquietude diante do processo de morrer.

Quando se dá a morte de um paciente, o profissional da saúde, antes considerado herói, passa a se considerar um vilão. Impotente, muitas vezes, se culpa, revisa tudo o que foi feito, questiona se havia algo que poderia ter realizado para vencer a ceifadora de almas que sem piedade recolheu a de seu paciente. Deixando-o com a missão triste e dificílima de contar a família sobre a morte de seu ente querido, notícia que causará dor, tristeza, raiva, entre outros sentimentos, e que irá transformar a vida das pessoas para sempre.

Sem tempo ou possibilidade de chorar pela perda de seu paciente, o médico junto à equipe de saúde sai para cumprir a nobre missão de acolher a dor dos recém enlutados. Mas como acolher a dor dos familiares, se a sua ainda não foi acolhida? E assim, é dito, o não dito.

Ao entrar em contato com a dor do luto da família, percebe que está isolado e sozinho em sua dor. Não há espaço para escuta da dor do profissional de saúde e lhe é exigido que não manifeste qualquer sofrimento, afinal precisa estar "forte? para seus outros pacientes. Alguns ousam dizer que "ser forte é ouvir algo que te destrói por dentro e ainda assim sorrir?, mas sabemos que não é a melhor forma de lidar com a morte. Sentir e não poder expressar a dor, ter que escondê-la, disfarça-la de si mesmo, atrás de "eu estou bem?, na tentativa de evitar o sofrimento e acreditando que está pronto para as próximas perdas, de longe não é uma boa opção. Dificulta o processo de luto que permanece não reconhecido.

Os profissionais não são preparados na formação para lidar com o processo de morrer, nem para lidar com a família durante a internação e muito menos o falecimento, mesmo estando em contato com elas em sua rotina diária de trabalho. Aliado ao estresse, desgaste físico e mental, há a falta de suporte institucional, para acolher as angústias da prática. O cuidado é a promoção da cura e o reestabelecimento da saúde física, portanto a morte, muitas vezes, se traduz como incompetência, imperícia e há um grande sofrimento emocional. Os profissionais são tomados por sentimentos de tristeza, impotência, ansiedade, estresse, angústia e frustração.

É preciso trocar com outros profissionais suas vivências de luto, as perdas de um paciente, a tristeza em dar a notícia de um mal prognóstico, o sentimento de impotência ao comunicar para uma mãe sobre a morte de um filho. É preciso romper com o pacto do silêncio entre os profissionais da saúde e heroicamente olhar para as suas próprias perdas, seus próprios lutos, seus próprios medos e sua própria finitude, sempre que entrar em contato com uma pessoa em seu leito de morte.

Esses profissionais precisam criar estratégias de enfrentamento, para que seja possível minimizar ou tolerar as demandas internas e externas que surgem na interação e no ambiente hospitalar. As estratégias são individuais, como a resolução de problemas, a rede de apoio, exercícios físicos, a vida social, o senso de humor, a espiritualidade e a Hardiness, que é quando a pessoa enxerga o evento estressor como um desafio, em um enfrentamento ousado e ativo.

É neste ambiente, carregado de dor, sofrimento e angústia que os profissionais têm atuado, exaustivamente, incansáveis, na tentativa de curar, de salvar as pessoas de uma morte tão cruel. Tão cruel quanto a possibilidade de perder as próprias vidas no ato de cuidar do outro, ou de levar para suas casas a possibilidade do contágio. A luta incessante contra um inimigo invisível, que nos tirou a ilusão da segurança ou da ideia de se ter algum controle sobre o viver e o morrer.

Imagina todos os dias precisar escolher quem vive e quem morre?. imagina todos os dias olhar nos olhos de alguém e enxergar o medo da morte? imagina todos os dias viver tantos lutos, os lutos seus, os lutos dos colegas de trabalho, os lutos dos amigos, os lutos das famílias. São lutos sobre lutos, se sobrepondo. Quanta coragem e quanto amor. É preciso cuidar de quem cuida, é preciso olhar para o luto desses profissionais tão essenciais no cuidado.

Referências:

DANTAS, Clarrisa de Rosalmeida et al. O luto nos tempos da Covid-19: Desafios do cuidado durante a pandemia. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, 23(3), 509-533, set. 2020. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n3p509.5. Acesso em: 03 nov. 2021.
MAGALHÃES, Marília Vieira; MELO, Sara Cristina de Assunção. Morte e Luto: O sofrimento do profissional da saúde. Psicologia e Saúde em Debate. Vol. I, Nº I, p. 65-77, abr. 2015. Disponível em https://doaj.org/article/24d26483269b4569a38132c5c6c2b1b2. Acesso em: 03 nov. 2021.
NASSER, Stella Nabuco et al. O IMPACTO DA MORTE EM PROFISSIONAIS DA SAÚDE EM CONTEXTO HOSPITALAR. Revista PsicoFAE: Pluralidades em Saúde Mental, [S.l.], v. 9, n. 2, p. 58-66, jan. 2021. ISSN 2447-1798. Disponível em: <https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/281>. Acesso em: 03 nov. 2021.
 
Sandra Pereira Evangelista
Psicóloga - CRP 06/177261
Instagram: @psisandraevangelista
E-mail: psisandraevangelista@gmail.com
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