Durante muitos anos a Optometria viveu uma verdadeira cruzada, com direito a conquistas e derrotas no campo de sua atuação. Chegando-se ao ponto de se considerar exercício ilegal da medicina suas atividades, considerando que as mesmas eram estabelecidas em cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação e pelo Cadastro Brasileiro das Ocupações (CBO 322305).
Essas atividades eram questionadas pela relevância que se dava aos Decretos 20.931/32 e 24.492/34 da Era Vargas, considerados como proibidores do exercício profissional da Optometria no Brasil. Não obstante, as leis supracitadas eram consideradas como Leis do Ato Médico, diploma derrogado após a publicação da lei 12.842/12 tida como a nova Lei do Ato Médico. Na nova lei, os Optometristas não sofreram qualquer proibição, pelo contrário, o veto presidencial demonstrou que "outros profissionais" exerciam a refração e as avaliações outrora limitadas aos médicos.
Considera-se então que, regulamentado, mesmo que com o intuito de asfixiar a profissão, os Optometristas obtiveram reconhecimento e com a nova lei a não proibição das suas atividades, considerando a contrário sensu, a sua liberação para o exercício. Ademais, o Estado nunca negou o reconhecimento aos diplomas profissionais aos Optometristas, como também não alterou sua CBO e as competências ali fixadas. Não restava dúvida, os Optometristas no Brasil haviam conquistado seu espaço, não fosse a Ação de Descumpriemento de Preceito Fundamental 131 (ADPF 131) pendente.
O julgamento se pautava em torno da recepção dos Decretos Getulístas já citados e de sua aplicação, considerando a liberdade do exercício profissional insculpido na Constituição Federal promulgada em 1988 (Art. 5º, XIII). O primeiro resultado entristeceu a categoria ao determinar a validade das normas e considerar legais as vedações estipuladas nos Decretos, mesmo que isso suprimisse em todo uma classe laboral já em atividade e devidamente capacitada em solo nacional.
É mister ressaltar que, por iniciativa da OWP Educação (W Educar) e da Faculdade Athon Ensino Superior, surgiu a produção de uma obra de análise jurídica do tão afamado julgamento, contemplando as mais diversas esferas do caso, considerando o direito penal, internacional, civil dentre outros. A obra intitulada Visão Justa - Aspectos jurídicos da Optometria contou com a participação de grandes nomes do direito, como Ives Gandra Martins, Sérgio Pinto Martins e do próprio advogado do caso, José Eduardo Cardozo, além de professores e juristas renomados nos mais diversos campos que o tema possa alcançar.
Em sede de embargos de declaração, o patrono da classe dos Optometristas, Dr. José Eduardo Cardozo, pleiteou a modulação dos efeitos, determinando que de alguma forma a regra se aplicasse apenas aos aventureiros, sem qualificação básica para o exercício profissional, permitindo que os qualificados tivessem assegurados seus direitos e pudessem exercer a ciência da Optometria no Brasil. Acolhida a tese, o relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, votou para que as regras proibitórias se aplicassem tão somente aos sem qualificação profissional, modulando uma forma equilibrada de exercício profissional.
Hoje, embora não haja mais a proibição do exercício, perguntas ainda pairam sobre os profissionais e sobre a forma da sua atuação, como por exemplo em que categoria se encaixam para o recolhimento do Imposto Sobre Serviço, quais as exigências para a concessão do alvará, se é que esse deve ser um requisito para esses profissionais, além de que as competências para essas matérias legislativas ainda está em debate, não sendo certo se a emissão desses regulamentos sem uma base federal seria aceita, se a elaboração desse regramento pela via municipal seria aceitável e de quem seria a inciativa, se do executivo ou do legislativo municipal.
Todas essas questões ainda precisam ser discutidas com o devido maturação sobre o assunto, ainda restando o Supremo Tribunal Federal decidir sobre a ação de inconstitucionalidade por omissão número 64 (ADO 64), onde se tratará da omissão do legislativo em produzir a devida legislação sobre o assunto. Em nível municipal, diversas cidades tentam regular o exercício desses profissionais, permitindo a geração de emprego e o atendimento de qualidade para seus munícipes.
Por fim, o que se observa é o nascimento de uma organização sistemática da categoria. Não cabe mais discutir o exercício em si, mas, pelo contrário, as organizações profissionais, os direitos desses trabalhadores e como o sistema abraçará os profissionais injustamente perseguidos durante todo o processo culminado no julgamento unânime da modulação dos efeitos na ADPF 131. Nesse pós processo, se deseja união, como no fim de uma cruzada, agora é hora de se unir, curar as lesões da guerra e compreender, coletivamente, quais os próximos passos.
Aos Optometristas, parabéns! A luta ainda caminha, mas a vitória, pouco divulgada, é símbolo de uma bela resistência em favor da ciência que faz o mundo enxergar.